Os Partidos
Políticos modernos estruturam-se sob dois princípios internos: enquanto
organizações voltadas essencialmente para a indicação e a ocupação de cargos no
Estado e/ou como partidos ideológicos. No primeiro caso, como define Weber, seu
objetivo “será simplesmente o de, através de eleições, colocar o seu dirigente
no cargo de direção, para que ele possa transferir os seus seguidores, isto é,
os funcionários e os propagandistas do partido para a máquina do Estado”.
Isto é muito
claro, principalmente nos países onde a autoridade governamental centra-se na
figura do presidente. Basta considerar a quantidade de cargos do primeiro e
demais escalões da administração direta, os cargos em fundações, estatais e
outras instituições vinculadas ao aparato de Estado. Pense em sua cidade:
quantos cargos o prefeito os vereadores têm em mãos para distribuir entre os
seguidores e os aliados de primeira e última hora – sem falar no nepotismo que
grassa à esquerda e à direita.
Imagine que
você é indicado para dirigir uma secretaria municipal, estadual, um ministério
ou mesmo a reitoria de uma Universidade Pública. Quantos cargos de confiança
você têm para distribuir?
O outro tipo
de partido, o partido ideológico, como a social-democracia do século XIX e
início deste século, os partidos comunistas, o partido nazista, etc., são
facilmente caracterizados e identificados pela postura política-ideológica
diante da realidade vigente. Em geral, são partidos que defendem um projeto
político-social de longo alcance, uma alternativa ao sistema capitalista ou a
defesa intransigente deste e, em certos casos, têm no horizonte a utopia de uma
nova sociedade.
Contudo, não
há uma separação rígida entre os dois tipos de partidos. A regra geral é que
eles se complementem. O partido ideológico, ao aceitar as regras do jogo
determinadas pelas instituições burguesas, como a participação em eleições e no
parlamento, também objetiva ocupar cargos no aparato de Estado. Este partido
mantém uma retórica ideológica – socialista ou comunista – mas, na realidade,
também disputa o butim e a possibilidade de usufruir dos recursos estatais.
Não
esqueçamos os partidos ideológicos puros, isto é, os que não se submetem à
atividade eleitoral-parlamentar, caracterizando-a como secundária.
Historicamente isto só se mostrou possível à medida que tais partidos se
mantenham eleitoralmente insignificantes. Tão logo eles conquistem postos no
executivo ou no legislativo viverão o dilema apontado por Przeworski: da
integração à ordem burguesa que criticam. Manterão a retórica revolucionária, é
verdade. Mas, a prática mostrará o oposto: o apego aos cargos e às benesses
advindas da ocupação do Estado. Os que se recusam terminantemente em disputar o
jogo eleitoral vivem o paradoxo de representarem a si mesmos. Em geral,
transformam-se em seitas messiânicas que autojustificam a própria existência.
Os Partidos
Políticos diferenciam-se de outras organizações sociais (como os sindicatos, as
associações de moradores, etc.) por um simples motivo: arrogam-se o direito de
representação dos interesses universais (diferentemente das instituições que
defendem interesses corporativos e/ou particularistas) e buscam deliberadamente
a conquista e o exercício do poder político. Um partido político que não se
coloque este objetivo é anômalo.
Exercer o
poder político significa dispor dos recursos disponíveis para a direção e
controle da sociedade, de acordo com os objetivos traçados e os interesses
econômicos predominantes que influem e condicionam a estrutura partidária.
Além da
busca e preservação do poder, os partidos caracterizam-se por se constituírem
enquanto organizações cuja existência é geralmente posterior à dos seus
dirigentes; pelo fato de estabelecerem uma rede de relações entre os organismos
locais, regionais e nacional; e, pela constante preocupação em angariar o apoio
popular, seja pela via eleitoral ou de outra forma.
Evidentemente,
à maneira do Estado, os partidos precisam aparecer para a massa dos eleitores
enquanto defensores dos interesses genéricos e indistintos da comunidade.
Nenhum partido cometerá a loucura de afirmar-se defensor dos interesses
econômicos dos banqueiros, latifundiários e grupos dominantes. Seus programas
políticos defendem, genericamente, o bem comum: saúde, educação, emprego,
segurança, etc.
Falam em
nome do povo e dos trabalhadores. O discurso se sobrepõe à realidade, à sua
história e de suas lideranças; escamoteiam até mesmo sua composição de classe
social; adotam nomes que anunciam promessas que nunca serão cumpridas e as
siglas escondem seus reais interesses. Em seu propósito de convencer os
eleitores e conquistar a legitimidade, utilizam de todos os procedimentos e recursos:
fazem planos econômicos à véspera das eleições, mudam a legislação eleitoral de
forma casuística, compram o voto, pagam cabos eleitorais, gastam milhões em
campanha, disputam os melhores publicitários, os mais capazes em iludir a todos
através dos recursos midiáticos.
Os partidos
políticos arrogam-se ainda o privilégio de serem os mais importantes, senão os
únicos, portadores da ação política coletiva. Fora deles, a política parece não
existir. Todos somos obrigados a canalizar nossas expectativas para a
instituição partidária – principalmente em épocas eleitorais. Abdicamos da ação
política direta e da possibilidade de construção de novos tipos de organizações
associativas em nome da representação – concedemos nosso poder de decisão a uma
organização totalmente fora do nosso controle ou, o pior, confundimos Política
com política partidária.
Por outro
lado, vendem-nos a ilusão de que o poder reside essencialmente no ato de votar
e não nos interesses e no poder econômico subjacentes ao processo eleitoral e
aos vínculos obscuros no pós-eleição. O ilusionismo das campanhas eleitorais
nos induzem à aceitação das promessas mirabolantes e das realidades virtuais,
ampliando-se assim o fosso entre a realidade objetiva do eleitor-indivíduo e as
instituições e políticos que se propõem a representá-lo.
Felizmente,
este indivíduo-eleitor tem a capacidade da apreciação e não lhe é difícil
verificar que o discurso não corresponde à prática. Infelizmente, já será
tarde: o candidato eleito já se entronizou em seu posto de representação, no
qual reinará absoluto, pelo menos até a próxima eleição.
Desacreditados
e suportados como o mal menor, os partidos e os políticos sobrevivem. Num
regime democrático sua função primordial é garantir a seleção de dirigentes, a
elite – ou a contra-elite – que governará os nossos destinos. Uns ou outros
serão menos ou mais democráticos. Em qualquer caso, nos reservarão o papel de
coadjuvantes.
A
democracia, mesmo que limitada e adjetivada, favorece o desvendamento das
contradições e dos antagonismos escondidos sob a retórica da ordem e do bem
comum. Na democracia, os partidos e os políticos são obrigados a se exporem, a
dizerem minimamente pelo e para que vieram, condição essencial para garantir o
suporte popular em épocas eleitorais.
Também
devemos considerar que eles desenvolvem mecanismos de dissimulação. De qualquer
forma, é preferível a existência os partidos e das suas disputas – ainda que
mesquinhas – à ditadura dos generais de plantão ou do partido único portador da
verdade absoluta.
Referências
PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e
Social-democracia. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
WEBER, Max. Parlamento e governo na
Alemanha reordenada: crítica política do funcionalismo e da natureza dos
partidos. Petrópolis, Vozes, 1993.
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