O mínimo para Saúde é de 15% das receitas, mas hoje quase todos os municípios estão investindo de 25% a 30% dos seus recursos na área. |
A educação pública, que sempre
sofreu com a falta de dinheiro, agora preocupa prefeitos em todo o País, que
não conseguem gastar os recursos carimbados para o setor. Com o fechamento das
escolas durante a pandemia de covid-19 e a falta de uma previsão clara para o
retorno das aulas, muitas prefeituras já admitem que não vão conseguir gastar o
mínimo constitucional em Educação em 2020. Por isso, os prefeitos querem
convencer o governo e o Congresso Nacional a flexibilizarem o piso da Educação
agora, antes que o debate político caia nas eleições municipais – adiadas para
novembro.
A Constituição obriga os
municípios a desembolsarem pelo menos 25% de suas receitas – seja por arrecadação
própria ou por transferências da União – na Educação. Por isso, para autorizar
prefeituras a não atingirem o mínimo do gasto na área é preciso votar uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que exige a aprovação em dois turnos
nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com pelo menos três
quintos dos votos dos parlamentares.
Sabendo da dificuldade política
em se aprovar qualquer salvo conduto para aplicar menos dinheiro em uma das
áreas mais valorizadas pela população, tanto a Confederação Nacional dos
Municípios (CNM) quando a Federação Nacional dos Prefeitos (FNP) já procuraram
o governo federal e os líderes no Congresso Nacional para mostrarem a
necessidade da medida.
Unificação
A alternativa defendida pelos
prefeitos é antecipar a unificação dos pisos constitucionais de Educação (25%)
e Saúde (15%, no caso das prefeituras). Esse já é um dos pontos da PEC do novo
pacto federativo, que foi enviada pelo governo ao Congresso Nacional em
novembro do ano passado, mas que não tem previsão para ser votada. Com a
unificação, os municípios passariam a ter que gastar 40% de suas receitas nas
duas áreas, possibilitando que recursos que deixem de ser usados nas escolas
possam reforçar o atendimento dos hospitais.
“O mínimo para Saúde é de 15%
das receitas, mas hoje quase todos os municípios estão investindo de 25% a 30%
dos seus recursos na área. A Saúde está sendo muito mais demandada. É possível
cumprir os pisos com folga se os porcentuais forem unificados”, avalia
Donizette. “O que defendemos é o envio de uma PEC em separado apenas com esse
ponto do novo pacto, para ser votada no âmbito das medidas da pandemia, com
validade pelo menos para este ano”, completa.
Os presidentes da Câmara dos
Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre
(DEM-AP), já foram procurados pelos prefeitos para tratar do tema. Segundo o
Estadão / Broadcast apurou, a proposta enfrentaria uma resistência maior entre
os senadores. A equipe econômica também prefere discutir a PEC do novo pacto de
maneira integral, embora não haja uma data para isso.
Para o diretor executivo da
Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, a possibilidade
de flexibilizar o cumprimento de uma regra de gastos só deveria ser debatida
caso fique constatado que o problema atinge a vasta maioria das prefeituras.
“Não seria adequado fazer uma
mudança na Constituição para resolver situações particulares. É preciso
justificar a proposta pela quantidade de municípios afetados”, avalia. “Revisar
o mínimo para Saúde e Educação é uma discussão antiga, de antes da pandemia e o
pacto federativo vai endereçar esse problema para o futuro. Agora, também não
há garantia de que ele será votado neste ano”, completou o diretor executivo do
IIF.
‘Educação remota não foi
estruturada’
As dificuldades de prefeituras
em cumprir o mínimo constitucional em Educação revelam problemas estruturais
que são anteriores à própria pandemia, na avaliação do diretor de estratégia
política da organização não governamental Todos pela Educação, João Marcelo
Borges. Para o especialista, isso também seria um indicativo de que as medidas
recomendadas no atendimento aos alunos durante essa fase também não estariam
sendo seguidas.
“Quem não gastar o mínimo de
25% com Educação em 2020 provavelmente é um município que não estruturou
serviços de educação remota. A merenda distribuída nas casas é mais cara do que
na escola, os serviços de ensino remotos têm outro custo, e ainda há o custo
para as adaptações nas escolas para protocolos sanitários no retorno às aulas.
Tudo isso em um contexto de queda na arrecadação, que deveria tornar mais fácil
o cumprimento do mínimo”, avalia.
Borges lembra que uma média de
80% dos gastos das prefeituras com educação é para o pagamento dos salários dos
professores. “A folha de salários pesa mais em municípios menores. Se estão
gastando menos que no ano passado, pode ser outro problema estrutural que é a
contratação de professores temporários. E se dispensaram esses temporários na
pandemia, é mais um indicativo de deficiência na educação remota.”
Para o diretor da Todos pela
Educação, é provável que a contabilidade dos gastos na área neste ano precise
mesmo ser debatida entre municípios e tribunais de contas, já que a prorrogação
do calendário escolar com reposições de aulas avançando sobre 2021 pode causar
dúvidas sobre, por exemplo, a inscrição de restos a pagar para o próximo
exercício.
Ainda assim, Borges também
defende uma revisão da regra do mínimo constitucional, mas não como uma solução
para o cumprimento meramente de uma norma contábil. “A discussão sobre mínimo
constitucional no Brasil é de um reducionismo tacanho. Se quiser fazer uma
discussão séria sobre isso, é preciso pensar em gradações. Em vez de pensar em
vincular ao mínimo, pensar em índices de desenvolvimento educacional. Quando
melhor o desempenho dos alunos, maior a liberdade do orçamento.”
AE
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