De acordo com a regra anterior, em vigor até 30 de junho de 2020, a carência era contada conforme o mês da competência, e não na data do pagamento. |
Os profissionais autônomos que
exercem atividade remunerada e estão com o pagamento das contribuições ao INSS
(Instituto Nacional do Seguro Social) atrasadas podem ter mais dificuldade para
fazer a quitação dos valores e requerer algum benefício previdenciário.
Em portaria publicada no último
dia 22, no Diário Oficial da União, o INSS divulgou normas que limitam a
liberação da aposentadoria e de outros benefícios no caso de quem vai pagar a
dívida que está em atraso.
As novas regras, previstas na
portaria 1.382, têm como base a reforma da Previdência, que passou a valer em
13 de novembro de 2019, e o decreto que regulamentou a reforma, de 1º de julho
de 2020. Dentre os principais pontos está a limitação do uso desses períodos
como carência (tempo mínimo para ter um benefício previdenciário) e tempo de
contribuição para a aposentadoria, conforme a data de pagamento da contribuição
em atraso.
O documento afirma que “não serão
consideradas como carência as contribuições recolhidas com atraso referentes às
competências anteriores à data daquele primeiro recolhimento em dia”. Se o
autônomo passou dois anos sem pagar o INSS, por exemplo, e quer quitar esses
valores agora, eles só contarão como carência para períodos posteriores à data
do pagamento, mesmo que a atividade tenha ocorrido em anos anteriores.
De acordo com a regra anterior,
em vigor até 30 de junho de 2020, a carência era contada conforme o mês da
competência, e não na data do pagamento. A exceção fica por conta de quando a
quitação é realizada dentro do período em que o cidadão ainda mantém a
qualidade de segurado do INSS, ou seja, o direito à cobertura da Previdência.
A carência para ter benefícios
previdenciários varia conforme o tipo de pedido. Se for para receber uma
aposentadoria, o mínimo é de 180 contribuições (15 anos). No caso de quem vai
pedir um auxílio-doença, são exigidos 12 meses.
No caso do tempo de contribuição,
a limitação foi ainda maior. Embora o trabalhador consiga somar os pagamentos
atrasados como contribuições para a sua aposentadoria, as novas regras impedem,
por exemplo, que ao quitar os valores, ele consiga atingir o direito ao
benefício.
Segundo o INSS, as contribuições
em atraso pagas a qualquer tempo, mesmo após a perda da qualidade de segurado,
contam como tempo de contribuição, no entanto, é preciso ficar atento ao
chamado fato gerador, que é a data em que o segurado faz o pagamento das
contribuições atrasadas.
Segundo a advogada Jane
Berwanger, do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), a regra
prejudica quem pede a aposentadoria, especialmente aqueles que, durante o processo
administrativo do benefício, querem fazer a quitação de períodos em atraso para
conquistar o direito a regra melhor.
“Um trabalhador autônomo que
pediu o benefício no dia 1º de janeiro de 2020 e, no processo administrativo,
ele solicita ao INSS a quitação de dois anos como empresário, entre 2004 e
2005, mas o INSS demora a dar uma resposta e emite a guia de pagamento apenas
neste mês. Mesmo que o cidadão pague os valores, a aposentadoria dele irá
contar somente a partir da data de pagamento, não da data do pedido”, explica
ela.
O advogado Roberto de Carvalho
Santos, do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), afirma que a
limitação do fato gerador prejudica também quando se trata do pedido de
auxílio-doença, por exemplo. Se o autônomo ficou doente antes de pagar o INSS
em atraso, mesmo que a doença tenha ocorrido em período em que ele estava
trabalhando ele queira acertar essa conta, pode não conseguir o benefício, já
que o fato gerador será a data do pagamento.
REFORMA DA PREVIDÊNCIA
A portaria também limita a
possibilidade de o autônomo entrar nas regras de transição da reforma da
Previdência. Segundo o documento, ao pagar o INSS em atraso, o segurado não
pode ser beneficiado pelas regras de transição dos pedágios de 50% e 100%, que
estão entre as mais vantajosas.
No pedágio de 50%, o profissional
deve trabalhar por mais metade do tempo que faltava para a aposentadoria na
data em que a reforma da Previdência começou a valer, em 13 de novembro de
2019. Se faltavam dois anos, será necessário contribuir com o INSS por três anos
no total. Entram nesta regra mulheres com 28 anos de contribuição na data de
início da reforma e homens com 33 anos de contribuição. Não há idade mínima.
Já no pedágio de 100%, o
trabalhador precisa ter a idade mínima de 57 anos, no caso das mulheres, e 60
anos, no dos homens. É preciso trabalhar mais 100% do tempo que faltava para
ter o benefício na data da reforma da Previdência.
Para o INSS, neste caso, o fato
gerador é a entrada em vigor da reforma da Previdência. Se não tinha os
recolhimentos até essa data, não é possível fazer parte do pedágio que traz
vantagem, mesmo que o trabalhador comprove que realizou atividade remunerada
antes, e apenas atrasou o pagamento das contribuições.
“Essa portaria da presidência do
INSS não permite a pessoa fazer o recolhimento para eventualmente satisfazer um
requisito, o que é um direito do segurado conforme a lei”, explica Santos.
O autônomo ainda pode utilizar os
períodos para entrar nas demais regras de contribuição da reforma: por pontos,
por idade mínima progressiva e para a aposentadoria por idade.
Os especialistas acreditam que a
questão deverá parar na Justiça, já que o instituto estaria modificando a
legislação por meio de portaria, o que seria ilegal. “Você tem a lei
8.212/1991, que a é a lei do custeio. Ela obriga o autônomo a pagar as
contribuições, mesmo em atraso, se trabalhou nos últimos cinco anos, pois
trata-se de um tributo. A portaria não pode alterar regra de um tributo”,
afirma Santos.
Além disso, segundo ele, a mesma
lei garante ao trabalhador autônomo o direito a fazer a indenização ao INSS em
qualquer período, garantindo os seus benefícios previdenciários. “Essa
portaria, na verdade, não teria o poder de alterar uma lei que define primeiro
a obrigação tributária, depois, o direito. Ela não pode acabar com isso.”
Em nota, o INSS afirma que as
regras valem para todos os “requerimentos pendentes de análise”. E informa que
as limitações só não são aplicadas “a título de complementação aos
requerimentos de benefícios” dos autônomos, ou seja, quando o trabalhador paga
a diferença na contribuição mensal.
(Folha de São Paulo)
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