Foto: reprodução |
A Câmara dos Deputados aprovou,
por ampla maioria, projeto que altera a Lei da Ficha Limpa e fragiliza a
transparência eleitoral e a prestação de contas, batizado de “minirreforma
eleitoral”. O texto aprovado proibirá que recursos dos partidos possam ser dados
como garantia ou bloqueados e permitirá que siglas em federação desprestigiem
candidaturas femininas. Foram 367 votos favoráveis, 86 contra e uma abstenção.
A proposta, fatiada em dois
diferentes projetos de lei, foi alvo de contestação de organizações de
transparência eleitoral e movimentos anticorrupção eleitoral. Mesmo assim,
trechos polêmicos — sobretudo no que afeta a inelegibilidade de candidatos
cassados — avançaram. A Câmara aprovou o texto principal do primeiro projeto
nesta quarta-feira 13. O segundo será votado na quinta, 14.
A proposta de minirreforma
eleitoral altera as regras de contagem de tempo para um político condenado ser
impedido de disputar eleição. O relator optou que a data da eleição é o marco
inicial para o prazo de máximo de oito anos de contagem para a inelegibilidade.
Isso pode encurtar o prazo de um político punido voltar a disputar uma eleição.
Atualmente este prazo começa a correr “após o cumprimento da pena”.
Tanto o PT, de Luiz Inácio Lula
da Silva, como o PL, de Jair Bolsonaro, orientaram voto favorável à
minirreforma. Apenas duas legendas orientaram contrariamente: o Novo e o PSOL.
“Este projeto de lei simplesmente está vedando qualquer sanção que envolva
dinheiro. Faz com que não tenha penhora, bloqueio. O que a gente está falando
aqui é aumento de impunidade para quem faz coisas ilícitas com dinheiro”, disse
Adriana Ventura (Novo-SP).
A proposta aprovada na Câmara é
alvo de críticas de especialistas. “O prazo efetivo de inelegibilidade será
menor do que oito anos, pois a condenação transitada em julgado produz o efeito
mais amplo da suspensão dos direitos políticos”, argumenta o especialista em
Direito eleitoral Luiz Carlos dos Santos Gonçalves. “É como se o condenado
criminalmente e por improbidade administrativa tivesse, afinal, uma vantagem em
relação a outros casos de inelegibilidade.”
O relator dos projetos, deputado
Rubens Pereira Júnior (PT-MA), alegou que a proposta é um avanço apesar de
alterar os prazos de inelegibilidade. “Estamos prestigiando a essência prestação
da Ficha Limpa. Ninguém vai tocar nesse ponto”, disse. O deputado Gilson
Marques (Novo-SC), porém, contesta a versão e fala que aumentará o novo prazo
de inelegibilidade aumentará a impunidade. “Estamos facilitando e até
incentivando crimes”, refutou.
O presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL) foi um dos que defenderam a iniciativa. “O acordo feito foi para
corrigir problemas. (Esses problemas) estão sendo tratados, resolvidos, foram
exaustivamente debatidos ontem na reunião da presidência, e está em votação”,
afirmou.
O PSOL criticou a velocidade da
iniciativa. Em pouco menos de dois meses, a Câmara instituiu um grupo de
trabalho que produziu os dois projetos que tiveram a urgência aprovada na
Câmara nesta quarta-feira. “O texto da minirreforma eleitoral foi publicado
ontem. Uma minirreforma que aborda vários temas e retrocede em muitos”, disse
Fernanda Melchionna (PSOL-RS). “Mais uma vez uma mudança nas regras eleitorais,
que, infelizmente, não ampliam o controle público, a transparência e o direito
de minoria. Ao contrário. Temos muitos retrocessos.”
A Câmara deseja que a proposta
seja sancionada até o dia 6 de outubro deste ano para que ela possa valer para
as eleições municipais de 2024.
Há também textualmente a
permissão para que candidatos possam fazer subcontratações durante a campanha,
sem prestar contas de quem recebeu o dinheiro. Isso significa que candidatos
não precisarão informar dados sobre pessoas subcontratadas por empresa
terceirizada que prestará serviços na campanha.
Com isso, não é possível saber
quem foi contratado, como os funcionários atuaram e quais os valores foram
repassados, o que abre brecha para a distribuição de recursos sem controle.
Como mostrou o Estadão, organizações afirmam que a iniciativa pode abrir brecha
para a compra de votos.
Outro trecho que preocupam
especialistas dificultará a identificação de doadores. Quem fizer doações a
candidatos via Pix poderá fazer isso sem ser em uma chave Pix de CPF e os
partidos terão que apresentar as informações do doador em até 72h, dificultando
o acesso que hoje qualquer brasileiro pode ter sobre quem enviou recursos para
apoiar uma candidatura e quanto enviou.
Para as federações, a
minirreforma propõe diferentes critérios para os partidos. Quando eles
infringirem alguma regra, a sanção é individualizada a uma legenda, mas quando
for necessária preencher a cota de 30% de candidaturas femininas, a conta é
feita de forma global, de modo que uma sigla possa não apresentar nenhuma
mulher candidata, contanto que os demais partidos compensem.
Trechos controversos foram
retirados, mas uma das passagens migra para outro texto na Câmara
A pressão de organizações da
sociedade civil, conseguiram garantir a eliminação de outras passagens
polêmicas no texto, como a que garantiria a possibilidade de punir compra de
votos e gastos ilícitos de campanha apenas com multa de R$ 10 mil a R$ 150 mil,
uma passagem que abria brecha para partidos não serem obrigados a repassarem
valores do fundo eleitoral para negros.
Mesmo assim, outros trechos
suprimidos migraram para outras iniciativas na Câmara. Um artigo retirado
impedia que sejam aplicadas sanções de perda de mandato de candidatas ou
candidatos que não tenham preenchido a cota de gênero caso a decisão implique na
redução no número de candidatas eleitas é um dos casos. A iniciativa migrou
para a proposta de emenda à Constituição (PEC) da Anistia. A passagem permite
que, desde que haja uma única mulher eleita a mais, a fraude não trará nenhuma
consequência.
Essa PEC, outro front criado
pelos partidos para contornar irregularidades cometidas por eles mesmos. O
texto concederá a maior anistia já vista para partidos e políticos que
cometeram irregularidades eleitorais. O valor pode chegar a quase R$ 23
bilhões.
Veja os principais pontos da
minirreforma:
Flexibilização na transparência
Projeto veda aos candidatos
apresentarem dados sobre subcontratados em caso de compra de serviço de empresa
terceirizada. Órgãos de controle não saberão quem foi contratado, qual a função
desempenhada ou quanto trabalharam. Organizações de transparência eleitoral,
como o Pacto Pela Democracia, apontam que o texto abre espaço para a compra de
votos.
Doações por Pix poderão ser
feitas em chaves que não o CPF e as instituições financeiras tem até 72h para
apresentar mais informações sobre doações feitas.
Projeto protege partidos de punições em caso de não prestação de contas
A minirreforma também pretende
trazer uma nova redação para o caso de punições no caso da falta de prestação
de contas de partidos. O novo trecho apenas quer punir as legendas com a
suspensão de novas cotas do fundo partidário (e não do eleitoral) enquanto
perdurar o não-pagamento. Antigamente a legislação permitiria o cancelamento de
registro civil caso fique provada a não-prestação de contas à Justiça
Eleitoral.
Critérios diferentes nas federações possibilita que partidos possam preencher a cota de gênero sem apresentar candidatas
O porcentual mínimo de
candidaturas por gênero, previsto em 30%, deverá ser analisado na lista
federação e não em cada partido. Isso quer dizer que é possível cumprir a cota
se houver 30% de candidaturas femininas no somatório geral das candidaturas
apresentadas pelos partidos, o que significa que uma legenda, individualmente,
pode não apresentar nenhuma mulher como candidata, desde que as demais siglas
consigam atender a cota de 30% no somatório geral.
O mesmo critério não vale para o
caso de sanções. Os partidos individualmente, e não a federação, responderão em
caso de infrações passíveis de sanção pela Justiça eleitoral.
Recursos dos partidos não poderão ser dados como garantia
De acordo com o texto, os
recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário não poderão mais ser dados em
garantia ou bloqueados, veda a determinação judicial de bloqueio dos bens com a
única exceção em casos de má administração dos bens.
Neste caso, quem trabalhou ou
prestou serviços a um candidato durante o pleito podem ficar sem receber
recursos sem serem pagos.
‘Boca de urna’ nas redes
O texto apresentado permite a
propaganda eleitoral no dia da eleição, mas veda o impulsionamento pago dos
anúncios para alcançar mais público. O especialista em Direito eleitoral
Alberto Rollo vê aqui uma “boca de urna” em ambientes digitais, ainda que não
textualmente legalizada.
“Fazer propaganda na internet no
dia da eleição não deixa de ser boca de urna na internet. O eleitor abre as
redes sociais e vê propaganda eleitoral, é uma boca de urna diferente, mas é
uma boca de urna”, afirmou.
“Nada consta”
O projeto de lei dispensa a
apresentação de certidões judiciais de “nada consta” pelos candidatos. Esses
documentos acabam revelando a lista de processos quando o político responde a
processos judiciais.
Regras para fraude de gênero e ampliação da classificação de violência política
A minirreforma apresentam fatores
que caracterizariam fraude à cota de gênero em candidaturas. São estas: a não
realização de atos de campanha, a não realização de despesas de campanha,
ausência de repasse de recursos financeiros e obtenção de votação “que revele
não ter havido esforço de campanha, com resultado insignificante”.
A candidata que desistir da
candidatura deverá fazer uma declaração justificada, sob pena de
responsabilização caso comprovada alguma alegação falsa.
O rol de vítimas de violência
política contra mulher também será ampliado. Agora, na nova redação, não apenas
a candidata, mas a pré-candidata a um cargo, detentora de mandato ou qualquer
mulher em razão de atividade partidária política ou eleitoral pode ser
enquadrada como vítima de violência política de gênero.
Partidos podem não precisar
destinar uma quantidade mínima de recursos para candidaturas negras.
(AE)
Nenhum comentário:
Postar um comentário